Geoarbitragem - Proposta de um método objetivo

Grandes amigos, bom dia!

Geoarbitrage (geoarbitragem em pt-BR) é um conceito usado para descrever situações onde o aspecto geográfico assume papel preponderante na tomada de uma dada decisão. O termo foi abordado pelo Tim Ferris em seu clássico "Trabalhe 4 horas por semana" e passou a ser buzzword na época em que o estilo de vida "nômade digital" virou moda.

No contexto financeiro e de qualidade de vida, a geoarbitragem é uma habilidade que precisa ser desenvolvida por quem almeja atingir algum estágio de liberdade financeira, notadamente para quem já está chegando na fase de desaceleração.

Tenho alguma experiência nisso. Por conta da carreira, já precisei mudar de cidade dentro do Brasil quase uma dezena de vezes e, pelo menos para mim, os meses que antecedem as decisões sobre "se" e "para onde" mudar são sempre períodos de grande agitação.

Quem já foi confrontado com esse dilema sabe bem como fica nossa cabeça. Ao longo dos dias, você entra e uma espécie de loop de pensamentos, sopesando tudo o que tem de bom e o que tem de ruim em cada uma das linhas de ação. Algo como

"A cidade X é ótima e é perto da minha família, mas o trabalho não é legal... Já a Y tem uma ótima proposta de emprego, mas é longe de tudo, além de ser calor/frio demais... A cidade Z não é longe da família e o trabalho é bom, mas o custo de vida é alto demais!"


Ao menos para mim, é comum ficar algumas horas nesse pensamento circular.  Na verdade, quase todas as pessoas do meu convívio têm alguma dificuldade nesses momentos, especialmente quanto a coisa envolve filhos, cônjuge (e a sua carreira), familiares, etc.

Como sair desse loop improdutivo? Uma alternativa que funciona para mim é a matriz de decisão. Eu adaptei o básico dessa técnica para a geoarbitragem e os resultados foram muito bons. Quando colocamos as coisas no papel, as ideias se organizam.

O que eu faço é listar todas as "cidades candidatas" e mesmo algumas outras cidades como benchmark em linhas. Posteriormente, em colunas, listo aspectos que julgo importantes como: Custo de vida, IDH, violência, distância dos familiares, clima, oportunidades profissionais, educação para filhos, lazer, clima, distância de um aeroporto, proximidade cultural, etc.

Na sequência, faço um brainstorm com a Sra AdV para atribuirmos pesos de 0 a 10 para cada um dos fatores. Esses pesos são dinâmicos pois ao longo da vida a importância das coisas oscila. Hoje, perto dos 40, é mais importante para mim estar perto dos familiares do que me preocupar se a cidade tem ou não estrutura para meu aperfeiçoamento acadêmico. Aos 70, apoio em saúde será mais importante do que é hoje e assim vai.

Definidos os pesos, pontuamos (também de 0 a 10) cada cidade nos quesitos listados. Para isso, nos valemos de diversas fontes: estatísticas oficiais, matérias na internet, vivência de outras pessoas, pesquisas em sites de imobiliárias, ligação para algumas escolas, etc.

Depois do consenso entre as notas, o que fazemos é multiplicar cada nota pelo peso do atributo, somando tudo no final para obter a pontuação final da cidade. Ficou confuso? Olha o exemplo (simplificado) do nosso último estudo abaixo:



Nesse caso específico, estávamos morando em uma grande capital (cidade B) e apareceu uma oportunidade em uma cidade média (cidade A). Das demais, algumas são apenas benchmark, outras são cidades que consideramos em projetos futuros, outras são cidades para as quais poderíamos mudar dentro do mesmo emprego naquela ocasião.

Embora estivéssemos bem instalados, estávamos cansados da cidade B. Trânsito de capital, alto custo de vida, adaptação cultural precária, distância da família (só visitávamos nosso pais uma vez por ano), etc. Tudo isso vai nos levando lentamente a um estado de esgotamento emocional que tem reflexos no relacionamento e na saúde.
Uma coisa que aprendi é a não ignorar os efeitos do esforço de adaptação no longo prazo. Sabe aquela situação que você diz "já acostumei com isso"? Sempre se pergunte se você quer viver "acostumado" ou se quer viver "curtindo". Eu me acostumei ao trânsito, mas curto mesmo é ir de bicicleta trabalhar. Meu corpo se adapta à seca, calor, etc., mas eu curto mesmo é o clima de serra. Eu aguento trabalhar 60 horas por semana, mas meu bem-estar fica comprometido a partir de 40h.

Em um primeiro momento, só conseguíamos ver os efeitos imediatos: salário mais baixo, menores oportunidades de viagens e cursos no trabalho, abrir mão de alguns confortos que só existem em capitais e eu pensei em declinar a proposta, mas com o passar dos dias começamos a nos imaginar na cidade A e aquele pensamento começou a ganhar força. Os pensamentos circulares começaram... "Aqui tem tudo, lá não tem teatro... mas eu nem fui no teatro nesse último ano... com o tempo que gasto só num dia de trânsito aqui, lá eu viajo até a cidade C, que tem teatro... mas eu nem vou em teatro!"

Estava na hora de fazer o dever de casa com nosso "método objetivo".  Sentamos, discutimos as possibilidades, pesquisamos. No final, vimos que o nosso score final da cidade A era quase 10% superior à cidade B. Começamos então a aprofundar a análise e, no fim das contas, nos mudamos.

Assim que cheguei na nova cidade fiz algumas medições mais reais. Que surpresa, meus amigos... O salário 10-15% menor não impactou em nada nossa vida, pois o custo de vida geral (gasolina, mercado, padaria, feira, água/luz/telefone, etc.) é simplesmente 27,8% menor. Mesmo ganhando menos, hoje aporto mais do que antes.

Meu tempo semanal no trânsito diminuiu cerca de 8 horas e minha jornada de trabalho semanal reduziu-se em quase 14 horas. Em uma aproximação grosseira, ganhei incríveis 4,5 horas por dia útil da semana.  Ganhei mais de mil horas por ano para gastar com meu filho, ir a academia, dormir. Nem consigo explicar como isso impactou no meu bem-estar geral. O relacionamento melhorou, a saúde melhorou, o sono melhorou. Voltei a tocar violão, ler, pedalar, correr... coisas que não fazia muito.

Estar mais perto dos familiares também reduziu muito o stress, especialmente no final de ano. Era sempre um período conturbado pela indefinição de calendário, custo das passagens, aeroporto lotado, greve dos aeroviários na véspera do natal e tudo mais. Hoje é só jogar tudo no carro e estamos "com os véios" em menos de uma hora.

Vida mais simples, trabalho menos estressante, mais horas por semana, momentos de lazer com a família, curtindo os pais, irmãos, sobrinhos... Tudo isso na terra que eu gosto, com a comida que gosto, com pessoas que vivem de uma forma mais leve que em grandes centros. E ainda por cima, aportando mais. De quebra, ainda percebi que estava errado em meus objetivos financeiros. Não preciso de nenhuma montanha de grana para a IF por aqui.

A matriz é uma ideia simples, mas se não tivéssemos feito isso, talvez caíssemos na armadilha do pensamento circular, ficando agarrados à ideia que redução de salário é algo muito ruim e que só nos grandes centros é que existe trabalho de qualidade.

Para cada escolha, uma renúncia. Certamente abri mão de algumas viagens ao exterior pelo trabalho, não fiz alguns cursos, deixei um mestrado pelo caminho e perdi uma parte do networking. Ainda assim, estou em paz  com a decisão e não houve um dia sequer em que eu tenha acordado e pensado "nossa, que saudade da cidade B!".

Para a IF, ajustaremos os critérios e os pesos, mas pretendo usar essa mesma técnica para clarear a visão. E você? como faz a sua geoarbitragem?

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